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Artigos publicados no terceiro trimestre 2024 e primeiro de 2025, no Jornal A TRIBUNA, com os textos em Word para possibilitar versões para oito idiomas..
ROTA DO CAFÉ
O café, como sabemos, mobilizou inúmeras famílias brasileiras durante e após a 2ª Guerra Mundial, por conta das restrições impostas aos imigrantes de origem italiana, alemã e japonesa. Muitas famílias de cafeicultores dos estados que dispunham de meios de ferroviários para alcançar São Paulo (Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Espírito Santo) foram convidadas a emigrar com o propósito principal de ampliar a produção paulista e alavancar a exportação pelo Porto de Santos.
Minha mãe, viúva com cinco filhos, sendo três menores de idade, teve que deixar uma fazenda de café no Estado do Espírito Santos, por reflexos da política do governo Getúlio Vargas, interessado em concentrar a produção no Estado de São Paulo. Nós levamos vários dias, viajando sentados e deitados em banco duros de trens mistos, passageiros e carga, pelas estradas de ferro Vitória a Minas, Leopoldina e Central do Brasil. Nós fomos “recrutados” por uma família abastada e produtora de café.
Uma busca simples no Google sobre a “Rota do Café” nos leva a reproduzir um dos roteiros oferecidos: “O circuito do café pode ser considerado uma rota das fazendas que produzem o grão em determinada região, como Minas Gerais, São Paulo ou Paraná. Os passeios levam os visitantes a tocar os grãos in natura, caminhar pelas lavouras e conferir de perto a produção”. Discutindo este assunto com o amigo João Jorge Peralta, entusiasta de uma possível indicação da Rota do Café para o Patrimônio Mundial pela UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Resolvemos então, buscar ensinamentos no exemplo de Paraty e região, sobre a Rota do Ouro, que se desenvolveu durante o longo período colonial (séculos XV a XVIII), recentemente reconhecida pela UNESCO.
O Estado de São Paulo não possui nenhum bem cultural reconhecido pela UNESCO, o que nos leva a pensar na indicação da Rota do Café que muito se assemelha à Rota do Ouro. Precisamos de algumas pessoas ou instituições que possam dar o recado a fim de levar o Estado de São Paulo à obtenção ao menos um bem cultural reconhecido pela UNESCO.
“Alea jacta est”, ou seja, a sorte está lançada. Basta alguém dela se apropriar e fazer a Rota do Café tornar-se uma realidade.
Elcio Rogerio Secomandi
Membro da Academia Santista de Letras
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TANTA TORMENTA E TANTO DANO.
Com uma paráfrase extraída do poema Os Lusíadas – “no mar, tanta tormenta, tanto dano; na terra, tanta guerra, tanto engano” –, ousamos destacar a importância das fortificações coloniais que, ainda hoje, permeiam o vasto perímetro do Brasil, desafiando o longo passar dos séculos, as intempéries e, por vezes, o terrível abandono.
Durante o longo período colonial, Portugal não dispunha de gente e de militares suficientes para defender o enorme espaço territorial do Brasil. O modelo aplicado foi o de “sesmarias”, responsabilizando os donatários pela execução da defesa terrestre. Eles eram obrigados a edificar a Câmara, a Cadeia e uma fortificação para a defesa aproximada, ficando Portugal apenas com a defesa marítima. E, assim, surgiu o que hoje se chama “parceria público privada”, por meio da construção de um sistema defensivo autóctone, impar mundo afora, e que hoje busca um reconhecimento pela UNESCO como Patrimônio Mundial.
A grandeza e esplendor das espessas muralhas de pedras pintadas de branco e expostas ao sol do entardecer, assustavam os piratas, os corsários e os aventureiros de outras nações colonizadoras. A defesa funcionava em três tempos: os navios piratas até poderiam entrar nas baías litorâneas e saquear as cidades, mas eram fustigados na saída, conforme descrito no Plano de Defesa do Porto de Santos, de dezembro de 1800. A Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande, efetuava um tiro de salva, repicado pelas demais fortificações e, assim, “toda a gente da vila capaz de pegar em armas deve seguir para os seus locais de defesa, levando consigo suas armas”.
O primeiro e único forte construído na Ilha de São Vicente, para a defesa aproximada, ficava na embocadura do Rio Itororó, erguido antes mesmo da ocupação oficial da vila de Santos, empreendida por Brás Cubas, em 1546. O Forte recebeu o nome de Nossa Senhora do Monte Serrat, mas, infelizmente não foi obstáculo para o ataque do pirata holandês, John Spielberg, em1614. Ele foi desmontado em 1876 para dar lugar à Alfândega de Santos, antecedendo ao chamado Porto Organizado, criado em 1892, quando a Companhia Docas de Santos (CDS) foi implantada. As pedras da extinta fortificação foram utilizadas na construção dos primeiros metros do cais de atracação e o seu desmonte foi “compensado” muitos anos depois dando à santa católica o título de padroeira da cidade.
REMINISCÊNCIA DE UMA VIDA NA CASERNA
Há alguns anos, no passado, fui à Embaixada Americana para renovar o meu visto de entrada naquele país. Um sargento do Exército Americano que organizava a fila de espera reconheceu a minha situação de militar, talvez pelo olhar e atitude que tomei instintivamente. Perguntou-me então: “O Sr é militar? – Sim, respondi! – Então me acompanhe, por favor!”.
Percebi o valor imenso que os militares americanos dão aos soldados, não importa de que país ou região mundo afora. Lembrei-me então de uma frase do presidente dos EEUU, John F. Kennedy, dirigindo-se aos soldados: “À Pátria tudo se dá, nada se pede, nem mesmo a compreensão”.
Infelizmente, no Brasil, a alta consideração que a população tinha para com os nossos soldados – de todos aos postos, graduações ou recrutas – está se perdendo por ações que não me compete aqui analisar. Mas... haverá sempre um momento para se recordar um trecho da carta que Muniz Barreto escreveu em 1893, a El-Rei de Portugal, D. Carlos I.
“Senhor, existem, em vosso reino, umas casas onde os homens vivem em comum, comendo do mesmo alimento, dormindo em leitos iguais. De manhã, a um toque de corneta, levantam-se para obedecer. De noite, a outro toque de corneta, deitam-se obedecendo. Da vontade fizeram renúncia, por ofício desprezam a morte e o sacrifício físico. Quando se põem em marcha, a sua esquerda vai a coragem e à direita a disciplina”.
Esta colocação visando valorizar o soldado e sua vida em caserna, nos faz lembrar que tivemos, há muitos anos passados, a oportunidade de lidar com grupos de trabalhadores em greve, numa grande indústria da nossa região. Os trabalhadores se organizavam para uma enorme manifestação pública. Nós éramos apenas uma centena de soldados com a missão de proteger a grande indústria de propriedade governamental. Ao anoitecer, tivemos que dialogar com mais de dois mil grevistas, subindo em um coreto para dizer-lhes que a nossa missão era apenas a de proteger a indústria e o emprego de todos eles: “Se vocês tentarem entrar na área industrial vão ter que passar sobre estes jovens soldados. Mas, se forem para a cidade, nada temos a opor”. Bem, fomos aplaudidos e cada um seguiu o seu caminho.
Esta breve recordação comentamos recentemente com o amigo João Jorge Peralta, há época, um dos trabalhadores da grande indústria e hoje um dos meus melhores amigos. Revivemos, assim, um passado não muito recente, com muita compreensão sobre os tempos bons e ruins que a vida nos prepara.
EU SOU A FORTALEZA DE SANTO AMARO
Estou aqui desde 1583 desafiando o longo passar dos séculos, as intempéries e, por vezes, o terrível abandono.
Ao completar 400 anos (1583 -1983) eu estava abandonada, vilipendiada, assaltada por vândalos, quase perdida na poeira do tempo. Mas, das ruínas, ressurgi como a “Fênix”, por ação conjunta do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, da Sociedade Visconde de São Leopoldo, da Universidade Católica de Santos e da Prefeitura Municipal de Guarujá. Fui adotada, por mais de trinta anos (1983-2014), pela UniSantos e, agora, hospedo o “Museu Histórico Fortaleza da Barra”, administrado pela Prefeitura Municipal de Guarujá, SP.
Minha “certificação de nascimento”, com 12 páginas manuscritas, está no Archivo General de Indias, Sevilha, Espanha, datado de 5/8/1583, charcas 41, Doc 27, página 6, do almirante Dom Diogo Flórez Vadés ao rei Felipe II de Espanha (Felipe I de Portugal). O almirante Valdés, “Capitão General das Costas do Brasil”, no início do longo período de união das coroas ibéricas (1580-1640), percorreu o litoral pouco recortado da América do Sul, com dezesseis naus da Invencível Armada espanhola, entre setembro de 1582 e maio de 1584. Além da missão principal que lhe foi atribuída por Felipe II - fortificar o Estreito de Magalhães e empossar o seu governador, Pedro Sarmiento de Gamboa -, Valdés aportou nas principais baías do Brasil-colônia para reconhecer, abastecer e indicar simbolicamente o domínio espanhol sobre a colônia de origem portuguesa. Três naus da esquadra espanhola (Almirante, Concepción e Begônia) sob comando de Andrés Aquino, surpreenderam na Baía de Santos, dois navios ingleses, sob comando de Edward Fenton, abastecendo para rumar o Estreito de Magalhães e alcançar o Oceano Pacífico. Houve um combate na tarde de 24 de janeiro de 1583 e, sob o troar dos canhões, o navio Santa Maria de Begônia sofreu avarias e parte do seu armamento e equipamento foram utilizados na minha construção, inicialmente em taipa militar, com desenho de Bautista Antonelli, arquiteto militar da esquadra de Valdés e membro da família construtora de sistemas defensivos na Europa, na África e na América, à serviço de Espanha. Dentre os cerca de 100 marinheiros espanhóis que ficaram em Santos, estava o carpinteiro Bartolomeu Bueno, o “espanhol”, pai de Jerônimo e Amador Bueno e avô do bandeirante de mesmo nome e conhecido como “Anhanguera.”
Foi assim que surgi na encosta litorânea deste esporão rochoso, com vista para todas as praias da Baía de Santos e amplo domínio sobre a embocadura do estuário onde hoje está o maior porto da América do Sul. Ganhei, no último quartil do século XIX, duas “sentinelas avançadas”: o Forte do Crasto,1734, (hoje Museu de Pesca) e o Fortim do Góes, 1767, (hoje em ruínas). Em 1902 fui substituída pela Fortaleza de Itaipu, voltada para o mar aberto, com vistas e fogos mais profundos. Mesmo assim, no final do Século XX, ganhei uma moderna cobertura de aço cos-a-cor, com projeto do arquiteto Lúcio Costa, um dos construtores de Brasília, e o enorme painel “Vento Vermelho”, de Manabu Mabe, cobrindo toda a parede do antigo altar da Capela de Santo Amaro. Guardo lembranças de muitos séculos, ostento o título de Patrimônio Histórico Nacional (1967) e orgulho-me de estar na Lista Indicativa 2015 enviada à UNESCO para concorrer ao título de Patrimônio Mundial
Mas (...), estou com receio de perder a imensa cobertura de aço cos-a-cor que cobre as minhas ruínas, como se fosse um imenso guarda-chuva apoiado apenas nos quatro cantos, pois a ferrugem avança e nunca recebi a manutenção devida. Também não tenho acesso ao painel Vento Vermelho, pois o assoalho da antiga Capela de Santo Amaro está cedendo por ação dos cupins. Assusta-me também, a possível instabilidade de uma enorme pedra assentada sobre uma rocha firme abaixo de uma das minhas guaritas. Um simples “encunhamento” pode resolver esta ameaça desastrosa.
Você pode me ajudar?
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Creio que seria assim, a súplica de um monumento histórico que sobrevive por mais de 450 anos.
Elcio Rogerio Secomandi - Academia Santista de Letras
SEM DEIXAR VESTÍGIOS
Nossa Senhora do Monte Serrat, tornou-se padroeira da cidade de Santos em 1955, mas tem o seu nome associado a um fortim construído por Brás Cubas, provavelmente na mesma época da inauguração do primeiro prédio da Santa Casa da Misericórdia de Santos (1543). O fortim não deixou qualquer vestígio, mas merece algumas “pinceladas”, sobre a sua emblemática história.
Martim Afonso de Souza, após dois anos reconhecendo o litoral da América do Sul – da foz do Rio Amazonas ao Rio da Prata –, deu início à colonização oficial do Brasil (22/01/1532), ocupando a Baía de São Vicente. A baía tem ainda dois fatores preponderantes para dar o início à projeção oficial do poder colonial de Portugal na sua extensa colônia sul americana: a fonte de água doce da “biquinha” do Morro dos Barbosas e a proteção natural da “Garganta do Diabo” situada entre a Ilha Porchat e a área continental. A dificuldade de acesso para navios oceânicos, pelos perigos de danos nas enormes quilhas de compensação das velas, protegia a vila de São Vicente contra o troar dos canhões dos piratas, dos corsários e de outras nações colonizadoras, mas deixavam expostos os navios que fundeavam na embocadura do Estuário de Santos. As pessoas, com os seus pertences, seguiam em pequenos escaleres ou caminhavam pela areia até alcançar a Vila de São Vicente.
A “Guerra de Iguape” (1534 a 1536), com invasão e saque na vila de São Vicente, por corsários espanhóis vindo do Sul, motivou o fidalgo português, Brás Cubas a transferir o fundeio de embarcações para a região do Lagamar de Enguaguaçu, próximo à foz do Rio Itororó e longe do mar aberto. Em 1543, fundou também a primeira Santa Casa da Misericórdia do Brasil, antes mesmo da elevação da Nova Povoação à categoria de vila de Santos, com foro datado de 1º de novembro de 1546. De imediato também, mandou erguer o Forte de Nossa Senhora do Monte Serrat, santa católica que viria a ser a padroeira da Cidade de Santos.
O escritor Costa e Silva Sobrinho, no Jornal A TRIBUNA, de 12 de janeiro de 1964, assim se refere ao Forte de Nossa Senhora do Monte Serrat:
“Uma das primeiras belezas da história de Santos, há muito desaparecida, foi edificada sob a invocação de Nossa Senhora do Monte, a grande protetora até hoje da nossa terra e da nossa gente (...). Esse pequeno reduto voltado para o Porto de Santos foi demolido em 1876 para dar lugar ao prédio da Alfândega”.
Segundo Victor Hugo Mori, arquiteto do IPHAN, suas pedras também foram usadas para a construção dos primeiros metros do cais do Porto de Santos, que viria a se transformar no primeiro “porto organizado” do Brasil, sob concessão da então Companhia Docas de Santos (CDS).
O pequeno fortim de Nossa Senhora do Monte Serrat, foi a única fortificação construída na Ilha de São Vicente, no Século XVI, mas não deixou qualquer vestígio arquitetônico. A santa católica tornou-se, porém, a padroeira da cidade de Santos, mais de quatro séculos depois (1543 – 1955).
A falta de um referencial indicativo de que Santos teve o primeiro fortim do Brasil destruído para a criação do Porto Organizado, me parece uma falha histórica lamentável. O antigo forte, talvez primeiro do Brasil, infelizmente não deixou uma pedra sequer que pudesse ser exposta ao público, hoje em dia e para as gerações futuras. As extintas muralhas de pedras, guarnecidas com canhões coloniais manobrados por homens defensores da Vila de Santos simplesmente “sumiram”, sem deixar vestígios (parafraseando o amigo Adler Homero Fonseca de Castro, historiador do IPHAN).
Talvez os nossos arqueólogos, algum dia, saiam em busca de alguma “relíquia” que comprove este breve relato histórico.
Elcio Rogerio Secomandi - Academia Santista de Letras
PREGO SEM CABEÇA
“Tanta tormenta, tanto dano / tanta guerra, tanto engano”, são estrofes do poema Os Lusíadas (1572), que nos servem de inspiração para descrever um fato histórico bastante emblemático cujo resultado esperado e lógico poderia mudar o rumo da História, a partir da Batalha de Waterloo (1815).
Tormentas e danos naturais estão se avolumando por ações humanas que provocam um desequilíbrio ambiental enorme, mundo afora. Mas ainda perdem para a estupidez das guerras, com seus enganos desastrosos. Heric Hartmann (1922 – 1993), piloto de caça alemão na 2ª Guerra Mundial assim resumiu o cenário de uma guerra qualquer: “A guerra é um lugar onde jovens que não se conhecem e não se odeiam se matam entre si, por decisões de velhos que se conhecem, se odeiam, mas não se matam”.
Nas guerras são cometidos muitos enganos e um deles nos chama a atenção por estar descrito em um capítulo inteiro (capítulo V) do livro Fora de Controle, de Erik Durschmied (1930 -), Editora Ediouro, 2003. O livro contém análises pontuais sobre dezessete casos desastrosos mundo afora, desde a Guerra de Troia (1184 a.C.) até a Guerra do Golfo (1991).
Um engano simples, porém, decisivo, foi cometido pelo lendário comandante da cavalaria de Napoleão, Maréchal de France, Michel Ney, na Batalha de Waterloo (18 de junho de 1815). No dia anterior, Ney subiu a encosta da colina do Monte Sr. Jean onde estava a tropa de Wellington para realizar o que se chama de reconhecimento da posição e do valor da tropa inimiga a ser enfrentada. Surpreendeu-se com os canhões ingleses colocados adiante da tropa e apontados para o campo plano onde iria ocorrer a batalha no dia seguinte. Ney ultrapassou a posição dos canhões por mais de hora e meia e não teve o discernimento de ordenar a colocação de pregos sem cabeça nos olhais dos canhões ingleses, inutilizando-os. Segundo o autor do livro Fora de Controle, Ney “era capaz de proezas incríveis e audaciosas, mas, por outro lado, impetuoso e imprudente”. E ironiza encerrando o capítulo V do livro com a seguinte colocação: “O fator decisivo em Waterloo foi bastante irônico. Bastaria alguns pregos sem cabeça (e alguns soldados os tinham, assim como os martelos necessários) – e tudo teria sido diferente”.
Napoleão, tinha tudo para vencer com facilidade a Batalha de Waterloo, mas as condições meteorológicas, dificultaram a maneabilidade dos canhões franceses enquanto a artilharia inglesa estava pronta desde a véspera da batalha. A garantia de uma vitória esmagadora esteva nas mãos do Maréchal de France que a desperdiçou, por conta de um detalhe quase insignificante.
Na guerra não basta a superioridade de meios e homens. A astúcia, o “pagar para ver” pode estar no movimento da primeira pedra, tal qual acontece, muitas vezes, em um jogo de xadrez.
Em ambiente onde impera a estupidez dos homens, “o acaso e a incerteza são dois dos elementos mais comuns e mais importantes na guerra” e isto nos preocupa, pois sabemos como elas começam, mas nunca como realmente acabam. Muitas vezes, no entanto, um erro de abertura pode mudar a sorte de muitos empreendimentos, em especial o resultado de uma batalha campal. Como seria o mundo hoje, se Napoleão tivesse vencido em Waterloo?
Elcio Rogerio Secomandi, Academia Santista de Letras
A TRIBUNA, 13/10/2024
UMA TRIBO FELIZ
Por muitos anos, proferi palestras sobre Estratégia nos cursos da ADESG –
Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra. Estratégia, como sabemos, é uma arte focada na aplicação do poder para alcançar um objetivo estabelecido por uma orientação política.
Para tornar o assunto um pouco mais atraente, valia-me sempre de uma frase
emblemática do Almirante João Carlos Gonçalves Caminha, no livro Delineamento de uma Estratégia: “Ser inerente à vida tanto a busca do melhor viver quanto a recusa em partilhar o essencial ao bem viver”. Procurava, assim, adaptar uma breve “história” sobre o cotidiano de uma suposta tribo indígena que vivia isolada, sem qualquer contato com outras tribos vizinhas. A felicidade da tribo era assegurada por fatos cotidianos de uma existência isolada, sem quaisquer referenciais de condutas externas, que pudessem provocar o que os economistas chamam de “efeito demonstração”.
Certo dia surgiu uma tribo de esfarrapados do outro lado do rio que banhava a
aldeia da tribo feliz. Sem qualquer habilidade sobre a “arte da guerra”, o cacique reuniu suas lideranças para discutir o que deveria ser feito. Resolveram então, contratar um especialista em assuntos militares, para estabelecer planos progressivos de busca de uma solução. O especialista em ações de combate, indicou as ações necessárias para quebrar uma possível resistência da tribo de esfarrapados, iniciando pela parte parlamentar (direito de posse da terra), seguida de outras ações pontuais e progressivas: vigilância, embargo, fechamento de entradas e de acesso ao rio divisor, etc. Por fim, “ação em força”, se necessário, iniciando com a preparação de um “pelotão de combate”. A preparação militar incluía o recrutamento dos jovens da tribo, a produção de arcos e flechas, o treinamento diário, a prioridade de alimentação para os guerreiros, etc. Em
seguida, disse o especialista, é preciso realizar uma “demonstração de força”, por meio de três componentes de um sistema defensivo apoiado em uma “política de defesa”;1- levantamento de ações destinadas à defesa dos interesses maiores da tribo feliz; 2 - estabelecimento de objetivos para o preparo e o emprego de todas as expressões do poder militar na tribo feliz; e, 3 - preparação e capacitação do estamento militar. A linguagem do especialista evidentemente não foi muito bem entendida pelos índios, mas, claro era importante criar uma mentalidade de defesa do território que lhe pertencia. Era preciso manter a integridade territorial, como pressuposto básico de expressão dos desejos, aspirações e interesses da tribo feliz e, para tanto, era preciso recompor o território expulsando os invasores.
Um plano faseado de ações a realizar, deveria iniciar com prudência
(negociação, mediação, arbitragem) e prosseguir com ações ofensivas pontuais, para conhecer melhor as possibilidades de reação dos invasores, e, por fim, a realização de um ataque coordenado, se necessário.
Foi assim, ou quase assim, que a tribo feliz que vivia em um vale encantado se
preparou para enfrentar uma possível embate fraticida em defesa dos seus interesses maiores. Foi assim também que surgiu naquelas terras virgens os fundamentos de uma estratégia dissuasória, visando evitar a aplicação do poder militar. São poucas as pessoas, mesmo na atualidade em que vivemos, que se importam com estes assuntos tão bem descritos nos documentos atualizados e aprovados periodicamente pelo Congresso Nacional e disponíveis na Internet: PND (Política Nacional de Defesa), END (Estratégia Nacional de Defesa) e LBD (Livro Branco de Defesa). Consulte-os, se o assunto for do seu interesse. DEFESA é um assunto pertinente a todos nós, brasileiros.
Elcio Rogerio Secomandi
Academia Santista de Letras
A TRIBUNA, 27/10/2024
6 PASSOS PARA A ETERNIDADE
Por iniciativa do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), um “conjunto de bem seriado”, foi incluído na Lista Indicativa/2015 enviada à UNESCO para ascender ao honroso título de Patrimônio Mundial. O conjunto arquitetônico militar colonial é composto por dezenove fortificações coloniais que permeiam o vasto perímetro do Brasil.
ivemos a grata satisfação de prestar um “serviço nacional relevante, sem remuneração”, representando a Fundação Cultural Exército Brasileiro no Comitê Nacional criado pelo IPHAN (DOU, de 10/09/2018, pg 21) para auxiliar na elaboração do Sumário Executivo, com 646 páginas, enviado à UNESCO no dia 01/02/2021. No início de 2022, o Conselho Mundial da UNESCO emitiu um documento indicativo de exigências a cumprir, denominado “Nomination completeness check state party Brazil”. Um bom sinal sem dúvida, embora com exigências não realizadas até os dias atuais.
As fortificações coloniais indicadas, como “conjunto de bem seriado”, possuem qualidades impares mundo afora e enorme “valor universal de excepcionalidade” (VUE), resultante de uma análise metodológica de seis componentes indispensáveis a serem examinados “in loco”: acessibilidade, autenticidade, sustentabilidade, finalidade, visibilidade e pertencimento. Os quatro primeiros atributos são qualificativos, ou seja, podem ser apresentados de forma incompleta, com prospectivas de ações a realizar. A “visibilidade” abrange a paisagem ambiental do entorno do bem patrimonial e o “pertencimento” refere-se ao valor simbólico que o “conjunto de bem seriado” tem para a população que vive no país que o indicou (Brasil, no caso).
As fortificações indicadas no Estado de São Paulo – Forte de São João, Bertioga e Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande, Guarujá – cumprem perfeitamente as exigências acima, com uma ressalva de acessibilidade na Fortaleza de Santo Amaro, mas já com projeto arquitetônico elaborado pela coordenadoria regional do IPHAN/SP.
Cumpre salientar ainda que o processo indicativo para o Patrimônio Mundial se assemelha simbolicamente à trajetória imaginária de um arco-íris em busca de um “pote de ouro” (fábula irlandesa de autor desconhecido). Este olhar simbólico sinaliza o percurso de uma longa jornada, propositalmente “longa” para viabilizar a conscientização, a consolidação e a preparação dos bens culturais a serem avaliados pelo Conselho Mundial da UNESCO. Aliás, alcançar o “pote de ouro” não é tão significativo quanto as ações positivas já em andamento há algum tempo.
O assunto passou a fazer parte de um hobby curtido deste 1993 quando destacamos na Revista Leopoldianun, Vol. XIX, uma síntese sobre as treze crônicas da saudosa jornalista Lydia Federici, publicadas no jornal A TRIBUNA, entre outubro de 1991 e julho de 1993, na sua coluna “Gente e coisas da Cidade’. Lydia, entusiasta do processo indicativo, infelizmente não pode nos acompanhar na data da inauguração das obras de restauração (21 de abril de 1997), mas nos deixou, na sua última crônica (30 de julho de 1993), uma mensagem que replicamos aqui na esperança de ver aquilo que a vida não lhe deu a oportunidade de ver: “Pois é isso. Então, ao menos em imaginação, ajude, amigo, com maior ou menos força que você tem, a segurar as paredes da antiga Fortaleza da Barra, Tá?”
Elcio Rogerio Secomandi / Academia Santista de Letras